segunda-feira, 27 de julho de 2020

VAQUEJADAS E ASSEMELHADOS:


Vaquejadas e assemelhados







Imaginemos a situação real, pois histórica: Dois animais, ou mais, em um ambiente fechado assistido por inúmeras pessoas. Estes animais precisam lutar entre si até a morte. Para aumentar o poder de seus membros superiores, estes são dotados de lâminas pontiagudas para melhor ferir o adversário. Antes desta luta, estes animais são presos e só serão soltos se vencerem a luta mortal. Como justificativa é dito que o público gosta muito. É um evento cultural muito conhecido e através dos séculos ainda é lembrado. Gerava lucro. Crianças e adultos assistiam e se divertiam. Os que assistiam eram devidamente protegidos, ficavam à distância, seguros, sentados e aplaudindo. Alguns animais se sobressaiam e era melhor tratados que outros. Este evento era legalizado e aceito como algo cultural e catártico. Apesar de ser aceito à época, certamente, apesar do apelo cultural, as lutas entre gladiadores (animais humanos) seriam facilmente declaradas ilegais hoje. Apesar do lucro que gerava, apesar de serem um evento dito cultural. O valor da vida e a repulsa à dor, hoje, são por demais evidentes para serem sequer discutidos. Salientemos que os animais não-humanos são criaturas vivas e, como regra geral, sentem dor. A distância entre animais humanos e não-humanos é pequena sob este ponto de vista. Do viés da proximidade entre humanos e não humanos vamos observar o conflito entre os direitos fundamentais, quando o tema é o sofrimento e morte dos seres ditos “irracionais”.

Os direitos fundamentais tem a mesma hierarquia. Por exemplo, o direito à vida e o direito à dignidade humana “pesam” o mesmo na balança da justiça. Portanto, um doente terminal, mesmo sofrendo, não pode exigir a eutanásia. Os princípios colidem. Ambos os princípios são verdadeiros. Serão, por consequência, necessárias outras fundamentações para solucionar a questão em conflito, afinal, os direitos fundamentais não são absolutos. São testados diariamente no dia a dia das pessoas. Os seres humanos só são humanos por que convivem entre si e com a natureza. Os humanos limitam-se entre si e são limitados pela natureza. Evidentemente, para a nossa espécie se manter, ela limita a existência da natureza (lato sensu). Entretanto, é preciso razoabilidade e respeito entre os viventes. Saliente-se que não nos referimos apenas a relação entre racionais, mas entre viventes. O estatuto de ser vivo é superior ao de ser racional. Não há razões para estabelecer hierarquia diversa. Como é uma questão de escolha a valoração entre a superioridade do racional ou da vida, é justo que a razão (a única que tem o poder de escolher), opte pela vida. Sem vida não há racionalidade humana possível. Além do direito (jus), por consequência, levar-se-á em consideração a filosofia e a ética, a sociologia, as ciências médicas e ambientais para solucionar os conflitos entre as normas constitucionais no aspecto aqui abordado.

As ciências biológicas nos trazem o conceito de homeostase. Entendendo esta como a estabilidade que os organismos vivos necessitam para se desenvolverem em plenitude. Vem da palavra grega Homeostasis: (homeo- = semelhança; -stasis = ação de pôr em estabilidade). Por consequência entre os humanos e os elementos da natureza, deve prevalecer o equilíbrio. Para que haja equilíbrio, é possível que os organismos não contribuam de forma idêntica, mas de forma desigual para manter o equilíbrio. O artigo 225 da CF ao afirmar no seu caput a prevalência do meio ambiente ecologicamente equilibrado, dá o tom que deve preponderar para uma “homeostase social”, mesmo que haja grupos que acabem cedendo mais que outros.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A garantia dos diretos culturais, mesmo sendo hierarquicamente igual ao direito ao meio ambiente, torna-se secundário em relação ao objeto defendido no artigo 225. Neste, preserva-se o uso comum, a qualidade de vida, a coletividade e as futuras gerações. O artigo 215 não tem esta amplitude, nem tem força suficiente para facilitar um equilíbrio entre vida e cultura.

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Quanto mais aplicarmos o artigo constitucional 215 nas questões que envolvam as aflições cometidas aos animais, menos relevante ele se torna em relação ao artigo 225 da carta magna.

Cremos que sequer é possível afirmarmos que há um conflito entre estes preceitos constitucionais. Esse conflito é aparente quando argumentamos em termos da amplitude das defesas. Assim como o direito à vida se refere a um bem mais amplo que os demais, a defesa do meio ambiente (planetário) deve prevalecer à defesa da cultura (regional), quando estiverem na situação de uma excluir o outra.

A vaquejada agride os animais não-humanos (portanto, a vida) provocando a dor e até a morte destes. O direito às atividades culturais não pode receber em seu seio sua própria negação: a dor e a morte. Portanto, considerando o meio ambiente vivo, equilibrado, saudável e sua incompatibilidade com a prática da vaquejada; proíba-se esta para o bem daquela.


Nenhum comentário:

Postar um comentário